Pouca gente conhece a fundo a história de Paschoal Moreira Cabral Leme, mas ele foi um daqueles homens que ajudaram a redesenhar o Brasil por dentro — literalmente. Nascido em 1654, na Vila de Sorocaba, interior de São Paulo, Paschoal foi um bandeirante sorocabano. Foi ele quem fundou a cidade de Cuiabá, em pleno coração do Brasil, e se tornou um dos protagonistas da ocupação efetiva dos sertões do Centro-Oeste.
Mas sua importância vai além da fundação de cidades. Ele foi peça-chave em um dos maiores movimentos de interiorização do Brasil colonial: o ciclo das monções.
A rota da ambição: as monções
As monções foram grandes expedições fluviais organizadas principalmente pelos paulistas, que partiam do Tietê e desciam rios como o Paraná, o Pardo e o Paraguai em busca de ouro no interior do Brasil. Essas viagens, que duravam meses, eram verdadeiras epopeias tropicais — e Paschoal estava no centro desse movimento.
Em 1718, partindo do rio Tietê, em Porto Feliz (SP), Paschoal comandou uma dessas expedições até as margens do rio Cuiabá. A missão, inicialmente voltada à captura de indígenas, tomou outro rumo após a descoberta de ouro na região do rio Coxipó-Mirim, onde estabeleceu o Arraial da Forquilha, no que hoje é conhecido como Coxipó do Ouro, em Cuiabá. No ano seguinte, em 8 de abril de 1719, ele fundou oficialmente o Arraial de Cuiabá, núcleo que daria origem à atual capital mato-grossense.
Esse feito não só confirmou a existência de riquezas na região, como também consolidou a rota das monções como caminho fundamental para o desenvolvimento do Centro-Oeste. As monções agora tinham um destino certo — e Paschoal foi um dos primeiros a cravar a bandeira nesse território.
Cultura caipira no centro do Brasil
Mas Paschoal não levou apenas armas e ambição pelos rios do Brasil. Levou consigo uma bagagem cultural rica, vinda do interior paulista — especialmente da região do Médio Tietê, como Sorocaba, Itu e Santana de Parnaíba. Com ele vieram outros paulistas, como Miguel Sutil, e com esses paulistas veio o jeito caipira de ser.
O sotaque puxado, o gosto pela viola, a fé nas rezas, a comida simples de panela de ferro e barro, a paixão por comitivas de cavalgadas, o jeito peculiar de falar... Tudo isso começou a se enraizar no cerrado e no pantanal mato-grossense. Era uma migração cultural viva, que se espalhava pelo sertão junto com as rotas das monções. Até hoje, dá pra notar os resquícios desse movimento no linguajar e nos costumes de várias cidades antigas do Centro-Oeste.
Mesmo com toda essa importância, Paschoal foi passado para trás. O governo de São Paulo enviou outro homem, Fernão Dias Falcão, para chefiar as minas. Paschoal, descontente, chegou a escrever diretamente ao rei de Portugal pedindo o título de capitão-mor, mas não foi atendido. Faleceu em 1724, aos 70 anos, e foi enterrado na igreja matriz de Cuiabá — cidade que ele mesmo fundou.
Muito além de um bandeirante
Paschoal Moreira Cabral Leme não foi apenas um bandeirante. Foi um fundador, um explorador de rios, um agente cultural e um símbolo de uma época. Sem ele, talvez a cidade de Cuiabá não existisse. Sem ele, as monções teriam outro rumo. E sem ele, a cultura paulista talvez não tivesse se espalhado como se espalhou pelo interior do Brasil.
Hoje, sua memória vive não só nas placas e nos livros, mas no sotaque, na comida, na fé e no jeito de viver de milhares de brasileiros do Centro-Oeste. Um verdadeiro elo entre São Paulo e o sertão.
E como se não bastasse tudo isso, Paschoal Moreira Cabral Leme carregava em seu sangue um nome ainda mais antigo na história do país: ele é genealogicamente ligado a Pedro Álvares Cabral, o navegador português que chegou ao Brasil em 1500. Ambos são descendentes da linhagem da família dos Cabral, o que coloca Paschoal não só como desbravador de terras, mas também como herdeiro direto da própria origem da colonização — um ciclo que começa com o descobrimento e se fecha com a fundação de novas cidades no coração do Brasil.
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